Na época eu morava em Votuporanga, interior de São Paulo. Durante uma aula de gramática, a professora pediu para analisarmos e contarmos as sílabas métricas da música “Construção” de Chico Buarque. Aquele momento ficou marcado, pois foi a primeira vez que ouvia Chico, prestando atenção nos seus detalhes, na sua letra e nos seus ruídos. A experiência naquele momento deixou de ser escolar para tornar-se musical e poética. Ouvir aquela canção, imaginar as cenas da sua narração dramática, tudo para mim era novo, uma sensação diferente.
Refletindo sobre esse fato levo-me a pensar que, talvez, naquele momento, a paixão que hoje eu tenho pela música - cultivada desde minha infância – tenha se consolidado naquele curto instante de tempo. Cheguei a essa conclusão numa tarde ensolarada do mês de outubro de 2009, ao sair da PUC após um longo sábado de aulas. Corri para uma banca de jornal e fui conferir se a Rolling Stone Brasil de outubro já estava disponível. Comprei a revista, e dentro do ônibus conferi, de forma voraz, o resultado que elegeu as cem maiores músicas brasileiras. Ansiosamente deparei-me com o primeiro lugar, e adivinha?! “Construção” do mestre Chico Buarque de Holanda conquistou a medalha de ouro. Foi nesse exato momento que eu viajei no tempo e cheguei até 2000 para perceber o quanto Chico havia influenciado minha vida, minhas experiências estéticas e minhas vivências poéticas.
Um singelo toque na minha percepção, vindo através da leitura de uma revista musical, despertou em mim um breve momento onde busquei a mim mesma em fatos do meu passado para que eles pudessem iluminar a minha tentativa de compreender o meu presente. O que eu sou? Como tornei-me isso? Quais as coisas que delinearam meu comportamento e meus valores? Com esse conjunto de perguntas complexas fui levada a querer me redescobrir. Naquele momento tornou-se necessário, e até desafiador, entender os motivos da presença do artista Chico Buarque nove anos após nosso “primeiro” contato.
Da saída da PUC até colocar o pé em minha casa questionei todas as possibilidades, revi toda a presença de Chico, seja numa festa universitária da faculdade, seja cantando no carro “Olhos no olhos” com uma amiga do colégio; mas também relembrei a fase da experiência da percepção poética e do conteúdo das letras apaixonadamente dolorosas; mas para frente, nas aulas sobre ditadura militar no colégio, descobriria o Chico Contestador, criador de uma das obras engajadas mais incríveis do cenário musical brasileiro durante o regime militar brasileiro. Todas essas constatações foram acontecendo de forma natural e muito agradável.
O que fiz depois que cheguei a minha casa? É claro que eu fui ouvir “Construção”. Há muito tempo não ouvia essa canção. Emocionei-me com a riqueza criativa do artista. Chico prolifera de forma enigmática a ideia do drama e da inevitável condenação daquele homem a um destino cruel. Fui levada a me teletransportar até aquela construção; imaginei a face daquele operário, da sua mulher, dos seus filhos. Senti por um tempo aquela música. Lembro de um fim de tarde quente com experiências subjetivas emocionantes.
Apenas sinta essa sublime experiência: Disco - Construção (1971)
Destinos cruéis e necessários... por um lado o conforto de que a máquina funciona, por outro a firme certeza de que Escolhemos a vida que queremos ter.... no Yoga vemos que tudo é maya, a intensidade de cada singular instante, e o aproveitamento que nos permitimos ou não, depende única exclusivamente do nosso desejar.
ResponderExcluirassim, vamos "construindo" essa "realidade", paradoxal, coletiva, ilusória...somos deuses e criadores, criaturas e bois sob efeito do jugo das convenções.
gosto de pensar que faz parte dos criadores que criam arte boua!! :D mais uma vez me identifico...