sábado, 24 de dezembro de 2016

Sobre uma SAUDADE

Acredito que eu tinha sete anos quando eu saí de Votuporanga para visitar o sítio da minha avó que viraria plantação de cana-de-açúcar. Lembro, também, que quando cheguei à casa do responsável pela plantação, fiquei deslumbrada com o tamanho e a proporção da piscina da casa. Esperei todos saírem do jardim para eu me jogar com a roupa do corpo; entrei na piscina sem pestanejar. Naquele momento, eu, minha avó e minha mãe vivíamos a tristeza do luto; meu avô, Calvino, havia falecido.


Enquanto meu avô vivera, morávamos em Votuporanga, mas, como eu ainda não frequentava o colégio, eu, minha avó e meu avô, passávamos a maior parte do tempo na fazenda, em Tangará da Serra, Mato Grosso. Viajávamos quilômetros e mais quilômetros passando por lugares que guardavam paisagens belíssimas.


Viajávamos numa Parati branca, que me trás recordações incríveis, pois foi por meio dela que me deparei com rios extensos, cachoeiras magníficas e viagens de balsas muito agradáveis. Durante nossas aventuras, vovô desenvolvia uma das suas atividades preferidas; ele adorava fotografar, registrava, absolutamente, tudo em nossas viagens; não desgrudava, em nenhum momento, da sua câmera fotográfica.

Lembro que ele adorava fotografar paisagens. Ele inspirava-se muito nas formas da natureza, na chuva, nos animais ou em qualquer elemento que fizesse parte do meio natural.


O motivo deu estar escrevendo sobre meu avô, nesse momento, tem muito a ver com uma experiência recente, que guarda fortes ligações com o nosso passado. Viajei para Votuporanga para visitar minha avó. Logo no primeiro dia pedi para que ela me deixasse ver as fotos da minha infância; há muito tempo eu não via aquelas fotos. Há muito estão guardadas num saco plástico preto enorme sobre o guarda-roupa, protegidas por minha avó como um grande tesouro.


Ao rever aquelas fotos uma grande emoção abateu-se sobre mim. Quando me deparei com imagens tão bonitas, retratando tantos lugares, faces e paisagens diferentes, incisivamente, meu avô pairou-se sobre os meus pensamentos. Concluí que aquelas fotos expressavam a verdade e a sensibilidade do olhar de um apaixonado pela fotografia, fato que eu só pude constatar naquele momento. Eu senti tanto orgulho, tanta alegria daquele homem... Para mim foi emocionante perceber que, por alguns anos, compartilhei momentos da minha infância como uma pessoa tão especial.

Ao apreciar as fotos onde aparecíamos juntos, uma energia positiva se acendia em meu coração, como se naquele momento eu estivesse começando a perceber as formas com que ele influenciou a minha vida.


Outro fato marcante foi ter chorado como criança ao rever fotos tão antigas. Quando vovô morreu, eu tinha seis anos e não entendia muito bem os sentimentos sobre a morte. De modo que eu não chorei quando ele faleceu (pelo menos não lembro de ter chorado), mas recordo que fiquei triste, e lembro, principalmente, da dor da minha avó.


Acontece que o inevitável aconteceu e, quase 20 anos depois, eu chorei a morte do meu avô. Chorei ao perceber sua sensibilidade para a vida traduzida em fotografias que me trouxeram à mente lugares maravilhosos; chorei, também, por aquele instante em que fui tomada por uma saudade que nada supria. Ao passo que, espontaneamente, cheia de orgulho comecei a atribuir ao meu avô parte dos meus valores de mulher adulta e o meu grande apreço pela fotografia.

Eu nunca me aventurei seriamente, mas, muitas vezes, nas viagens por aí, eu tentei a sorte de uma bela foto amadora. Foram muitas as tentativas, mas uma foto tornou-se motivo de orgulho. Durante uma viagem à mística cidade de São Thomé das Letras (Minas Gerais), consegui fotografar, ao mesmo tempo, um hippie violeiro e um hippie artesão que desenvolviam suas artes à beira de um imenso vale e embaixo de uma vegetação lindamente desenhada pela natureza; a foto ficou sensacional. Ao ver a imagem em tamanho maior no computador senti, pela primeira vez, a sensação de alcançar através das lentes da câmera a imagem que eu tinha desenhado na minha mente, como se eu tivesse sentido, por um momento, o prazer de um fotógrafo quando consegue exprimir seus sentimentos numa fotografia.


É difícil lidar com a dor que já foi abafada. Ela reaparece sem avisar, num simples gesto de curiosidade. Consome você durante horas, leva-te a lugares que a um segundo atrás estavam muito distantes dos seus pensamentos. Senti uma saudade enorme e uma dor triste de não poder compartilhar com ele uma tarde de belas fotografias em um daqueles lugares que nós visitamos durante minha infância.


Mas, voltando ao dia em que pulei de roupa e tudo na piscina da casa de um desconhecido, pois isto ocorreu logo após a morte de meu avô, e que, talvez, possa estar associado a esse acontecimento o fato de que, durante nossas andanças e viagens, vovô não me deixava entrar nas piscinas de hotel nenhum; para ele eu poderia contrair algum tipo de doença; contudo, para mim, aquilo era muito frustrante. Eu observava a piscina da janela do quarto dos hotéis e sonhava com o momento de dar um grande salto dentro dela.

Agora, refletindo melhor sobre o assunto, sou levada a pensar que eu não tinha motivos para entrar subitamente na água. Eu poderia, simplesmente, ter pedido a minha avó e, em seguida, ter colocado uma roupa apropriada, mas naquele momento, talvez, eu estivesse muito ansiosa para fazer coisas que não levariam tanto tempo.

A vontade de pular na piscina estava guardada há tanto tempo que, talvez, o medo de qualquer impedimento tenha me levado àquela ação. Diante disso sou tomada por uma boa surpresa: vovô pode ter me impedido muitas vezes de entrar na piscina por motivos que, para mim, não faziam sentido, só me aborreciam, entretanto, ele me ofereceu algo muito maior; ele abriu a minha mente a inúmeras possibilidades de enxergar o mundo. Através da sua paixão pela fotografia, ele me ensinou a importância de se ter um olhar livre e atento para todas as coisas.

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